
A Ata Notarial como Prova da Situação Jurídica de Fato na Proteção do Bem de Família Transmitido por Herança: Análise à Luz do REsp 2.111.839-RS
O julgamento do Recurso Especial 2.111.839-RS, ocorrido em 06 de maio de 2025 pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do Ministro Antonio Carlos Ferreira, reafirma importantes fundamentos jurídicos que envolvem a sucessão hereditária, a impenhorabilidade do bem de família e a eficácia probatória das situações de fato, abrindo espaço para uma análise prática sobre o papel da ata notarial como meio de prova da situação jurídica de fato.
1. Proteção Jurídica do Bem de Família Transmitido por Herança
O julgado em questão reafirma que a mera transmissão hereditária não descaracteriza a natureza de bem de família. A jurisprudência destacou que, se o imóvel mantiver a destinação de moradia da entidade familiar, mesmo após o falecimento do titular originário, preserva-se a proteção conferida pela Lei nº 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade do bem de família.
Nesse sentido, o STJ reafirma dois princípios fundamentais:
- O princípio da saisine (art. 1.784 do Código Civil), segundo o qual a herança transmite-se automaticamente aos herdeiros legítimos ou testamentários com a morte do autor da herança;
- A responsabilidade patrimonial dos herdeiros (art. 1.997 do Código Civil) limitada à proporção da herança recebida, ressalvando, porém, que essa responsabilidade não alcança o bem de família, desde que preenchidos os requisitos legais de residência e destinação familiar.
Portanto, mesmo sem partilha formalizada ou averbação na matrícula do imóvel, se o imóvel continua sendo utilizado como residência pelos herdeiros, a proteção jurídica permanece íntegra.
2. Situação Jurídica de Fato e a Importância Probatória
O ponto central do acórdão está na prevalência da situação fática — ou seja, o uso do imóvel como moradia familiar — sobre eventuais ausências de formalidades registrais. Isso significa que é a realidade concreta e não o título formal que define a aplicação da proteção legal.
Diante disso, ganha especial relevância a ata notarial como meio hábil para comprovação dessa situação de fato.
3. A Ata Notarial como Prova da Moradia e da Função Familiar do Imóvel
A ata notarial é o instrumento público lavrado por tabelião de notas que confere fé pública a fatos presenciados ou verificados por ele, conforme previsto no art. 384 do Código de Processo Civil. Esse instrumento pode ser utilizado para atestar, por exemplo:
- A efetiva residência dos herdeiros no imóvel deixado pelo falecido;
- A ausência de destinação comercial ou de aluguel, o que reforça a função residencial do bem;
- A presença de móveis, utensílios, vestígios de habitação regular e quaisquer outros elementos que evidenciem o caráter de domicílio familiar.
Assim, mesmo na ausência de partilha ou de averbação no cartório de registro de imóveis, a ata notarial permite demonstrar a continuidade do uso residencial do bem pelos herdeiros, garantindo o amparo da impenhorabilidade conforme a Lei nº 8.009/1990.
4. Conclusão
O julgamento do REsp 2.111.839-RS consolida o entendimento de que a proteção do bem de família se mantém mesmo após a transmissão hereditária, desde que observada sua utilização como residência da entidade familiar. Mais do que uma mera formalidade, trata-se de uma proteção à dignidade e à segurança da família.
Nesse contexto, a ata notarial se revela um poderoso instrumento jurídico, conferindo prova robusta e imediata da situação jurídica de fato, sendo recomendada especialmente em cenários de litígios envolvendo herança, dívidas do falecido e eventual risco de penhora do imóvel.
A atuação preventiva por meio da ata notarial contribui para a efetivação do direito e para a valorização do exercício notarial como instrumento de pacificação social e garantia de segurança jurídica nas relações patrimoniais familiares.
